“1506 – O Genocídio de Lisboa”. Recordar uma tragédia esquecida

Este evento terrível aconteceu durante três dias, entre 19 e 21 de abril daquele ano fatídico. O povo de Lisboa, impulsionado por mitos e hostilidades, voltou-se contra os cristãos-novos, ou seja, os judeus. Invadiram casas, arrastaram pessoas para as ruas e perpetraram atos de violência indescritíveis. Mais de três mil pessoas perderam a vida nessas horas de terror.

A narrativa desse período sombrio é agora trazida de volta à luz através do documentário “1506 – O Genocídio de Lisboa”, um projeto ambicioso que visa recordar este episódio que marcou profundamente Lisboa e a nossa nação. O filme, dirigido por Luís Ismael e produzido pela LightBox, foi lançado online esta noite e feito de forma gratuita, no canal de YouTube da Comunidade Israelita do Porto (CIP), em cinco idiomas: português, hebraico, inglês, francês e castelhano.

Este massacre é um capítulo crucial da nossa história que não é discutido ou ensinado nas escolas. O Massacre de Lisboa em 1506 não está incluído nos currículos escolares e caiu no esquecimento, mesmo sendo um dos eventos mais traumáticos da nossa história. É essencial resgatar essas memórias para compreendermos plenamente o passado e aprendermos com ele.

Este filme não é apenas uma recordação do passado; é também uma oportunidade para refletirmos sobre o presente. As questões de intolerância e ódio que levaram a esse massacre ainda ecoam nos nossos tempos. É uma oportunidade para pensarmos sobre como podemos construir uma sociedade mais inclusiva e respeitosa, onde a diversidade não seja motivo para divisão ou violência.

A história nunca deve ser esquecida, especialmente quando nos confronta com a nossa humanidade mais sombria. Convido todos a assistirem a este filme e a se envolverem nessa discussão tão importante para a nossa compreensão coletiva. Está na hora de resgatarmos essas histórias do esquecimento e confrontarmos o nosso passado para construirmos um futuro mais justo e compassivo.

“Vi que em Lisboa se alçaram povo baixo e villãos
contra os novos christãos
mais de quatro mil mataram
dos que houveram às mãos:
uns d’elles, vivos queimaram,
meninos despedaçaram,
fizeram grandes cruezas,
grandes roubos e vilezas
em todos quantos acharam.”
Garcia de Resende

“No mosteiro de São Domingos existe uma capela, chamada de Jesus, e nela há um Crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que deram foros de milagre, embora os que se encontravam na igreja julgassem o contrário. Destes, um Cristão-novo (julgou ver, somente), uma candeia acesa ao lado da imagem de Jesus. Ouvindo isto, alguns homens de baixa condição arrastaram-no pelos cabelos, para fora da igreja, e mataram-no e queimaram logo o corpo no Rossio. Ao alvoroço acudiu muito povo a quem um frade dirigiu uma pregação incitando contra os Cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro com um crucifixo nas mãos e gritando: “Heresia! Heresia!” (…) Juntos mais de quinhentos, começaram a matar os Cristãos-novos que encontravam pelas ruas, e os corpos, mortos ou meio-vivos, queimavam-nos em fogueiras que acendiam na ribeira (do Tejo) e no Rossio. Na tarefa ajudavam-nos escravos e moços portugueses que, com grande diligência, acarretavam lenha e outros materiais para acender o fogo. E, nesse Domingo de Pascoela, mataram mais de quinhentas pessoas.”
Damião de Góis, “Chronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memória”

“O Rossio abria-se como uma ferida infetada inçada de enxames de pessoas vociferantes. Apinhavam-se em volta de carruagens enfeitadas, gritavam pelas grandes arcadas do Hospital de Todos os Santos, debruçavam-se em risadas das varandas e dos beirais das janelas. (…) Acima das cabeças da multidão, viam-se subir colunas de fumo espesso em frente da Igrejas dos Dominicanos. (…) De repente, avistei Mestre Salomão, o ourives, na orça da multidão. Tinha as mãos amarradas atrás das costas por um gigantes corpulento, com a musculatura lustrosa de um ferreiro. O cabelo e o pescoço do ourives estavam sujos de fezes. (…) Enfiei-me entre as pessoas para o seguir e fui arrastado para o centro por uma corrente inesperada. (…) atingi finalmente uma clareira. Uma pira. Chamas crepitantes. Gavinhas de fogo laranja e verdes desenrolando-se em direção ao telhado da igreja. No campanário, um frade dominicano com uma grande papada empunhava uma espada com uma cabeça decepada na ponta e exortava a populção com uma voz irosa:
– Morte aos heréticos! Matai esses judeus do demónio! Que a justiça do Senhor caia sobre eles! Fazei-os pagar pelos crimes contra as crianças cristãs! Fazei-os…
O fogo causava uma calor infernal, alimentado pela massa dos corpos judeus que lhe tinham sido lançados. (…) A toda a volta da pira havia poças de sangue de onde emergiam corpos mutilados.”
Richard Zimler, “O Último Cabalista em Lisboa”

“O massacre de Lisboa em 1506 não está incluído nos currículos escolares e caiu no esquecimento.”

In cnn Portugal
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