O Monte do Templo, em Jerusalém, é hoje um dos lugares mais disputados, não apenas no plano político ou religioso, mas também no campo da memória histórica. O debate contemporâneo está cheio de slogans, simplificações e, muitas vezes, negações explícitas de factos historicamente documentados.
Este texto nasce da necessidade de separar história de propaganda e de desmontar algumas das narrativas falsas que se tornaram comuns nas últimas décadas.
O que é o Monte do Templo?
O Monte do Templo é o local onde se ergueram o Primeiro Templo, atribuído ao rei Salomão, e o Segundo Templo, destruído pelos romanos no ano 70 d.C. Para o judaísmo, trata-se do lugar mais sagrado, o centro espiritual, religioso e identitário do povo judeu desde há mais de três mil anos.
Séculos mais tarde, após a conquista islâmica de Jerusalém no século VII, foram construídos no mesmo recinto o Domo da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa, passando o local a ser conhecido no mundo islâmico como Haram al-Sharif (O Nobre Santuário). Importa sublinhar algo essencial: a sacralidade islâmica do local não surgiu em oposição à tradição judaica, mas assentou precisamente sobre ela.
Uma verdade histórica outrora consensual
Durante séculos, não existiu qualquer negação muçulmana da ligação judaica ao Monte do Templo. Pelo contrário, essa ligação era aceite como um dado histórico evidente. Um exemplo particularmente esclarecedor encontra-se num documento oficial publicado em 1924 e com várias edições, pelo Conselho Supremo Muçulmano, intitulado A Brief Guide to Al-Haram Al-Sharif.
Nesse guia, produzido em Jerusalém sob administração islâmica, pode ler-se, de forma clara e inequívoca:
“O local é um dos mais antigos do mundo. A sua santidade remonta aos tempos mais remotos. A sua identificação com o local do Templo de Salomão é indiscutível.”
Esta afirmação não foi feita por arqueólogos judeus, nem por autoridades sionistas, mas pela mais alta entidade religiosa islâmica da época. O texto não apresenta qualquer hesitação, nem qualquer tentativa de relativização histórica. O Monte do Templo era reconhecido como o local do antigo Templo Judaico, ponto final.

Judeus como dhimmis: tolerância sem soberania
Durante largos períodos da história islâmica, os judeus viveram como dhimmis, comunidades protegidas, mas politicamente subordinadas. Não tinham soberania, não representavam poder político e não colocavam em causa o domínio muçulmano. Nesse contexto, reconhecer a ligação judaica ao Monte do Templo não representava ameaça alguma.
A história judaica podia ser reconhecida porque estava confinada ao passado. Era tolerável precisamente porque não tinha expressão política no presente.
O ponto de viragem: soberania judaica
Tudo começa a mudar com o colapso do Império Otomano, após a Primeira Guerra Mundial, e com a introdução do modelo de Estados-nação sob influência britânica e francesa. Pela primeira vez em quase dois milénios, a ideia de autodeterminação judaica deixa de ser apenas uma esperança religiosa e passa a ser uma possibilidade política concreta.
É neste momento que ocorre a viragem decisiva: quando a soberania judaica se torna plausível, a narrativa histórica começa a ser reescrita.
A ligação judaica ao Monte do Templo, outrora aceite como óbvia, passa progressivamente a ser negada, relativizada ou silenciada. Não por razões arqueológicas ou académicas, que continuam a confirmar essa ligação, mas por razões políticas.
Negar a história como estratégia
A negação da ligação judaica ao Monte do Templo não nasce de novas descobertas científicas, mas de uma necessidade ideológica: se não houve Templo, não houve ligação; se não houve ligação, não há legitimidade.
No entanto, a arqueologia, as fontes clássicas, os textos judaicos, cristãos e islâmicos antigos, bem como documentos oficiais muçulmanos anteriores ao século XX, apontam todos na mesma direção. A tentativa de apagar essa realidade é um fenómeno recente, profundamente ligado ao conflito moderno e não à história antiga.
O paradoxo contemporâneo
Vivemos hoje um paradoxo histórico: quanto mais evidência existe, mais se insiste na negação.
O Monte do Templo tornou-se não apenas um local sagrado, mas um campo simbólico de batalha, onde a memória histórica é instrumentalizada. Reconhecer a ligação judaica passou a ser visto por alguns como uma concessão política, quando na verdade é apenas honestidade histórica.
Conclusão
Defender a verdade histórica sobre o Monte do Templo não é negar a importância islâmica ou cristã de Jerusalém. Pelo contrário, é reconhecer que Jerusalém é uma cidade de camadas, de continuidades e de heranças sobrepostas. Mas nenhuma convivência é possível quando se tenta construir identidade à custa do apagamento do outro.
Durante séculos, essa verdade foi clara e assumida. O problema não é a história.
O problema é o medo daquilo que a história legitima.
Reconhecer o Monte do Templo como o local do antigo Templo Judaico não é uma posição ideológica extrema.
É, simplesmente, respeitar os factos.
Nota: quem estiver interessado no documento em pdf: A Brief Guide to Al-Haram Al-Sharif, pode solicitar que eu enviarei.








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