Entenda (de uma vez) o que é o sionismo. Uma explicação simples para compreender um tema tão falado

Nos últimos anos, e sobretudo depois dos acontecimentos de outubro de 2023, a palavra “sionismo” passou a aparecer em todo o lado: debates públicos, redes sociais, universidades e até conversas informais entre amigos. Muitos usam o termo sem realmente perceber o que significa. Outros confundem-no com posições políticas do governo israelita. O ambiente de polarização só aumenta a distância entre o conceito real e a forma como é discutido.

Por isso mesmo, este texto procura explicar, de forma clara e acessível, o que é o sionismo, de onde veio, porque surgiu e porque continua a ser tão importante.

O sionismo: a ideia de autodeterminação do povo judeu

Na essência, o sionismo é muito simples: é a ideia de que o povo judeu tem direito à autodeterminação na sua terra ancestral. Ou seja, o mesmo direito que qualquer outro povo reivindica: gerir o seu próprio destino num Estado que o represente.

O termo nasce no final do século XIX, inspirado pelos movimentos nacionalistas que surgiam na Europa. Mas a ligação dos judeus à Terra de Israel é milenar, documentada arqueologicamente desde cerca de 1200 AEC. Ao longo desse tempo, expulsões, exílios e perseguições nunca apagaram o desejo de regresso, presente nas tradições e textos judaicos.

O sionismo moderno aparece num momento crítico: judeus recém-integrados na sociedade europeia descobrem que a cidadania recém-adquirida não os protege de preconceitos e violência. O caso Dreyfus em França, os pogroms no Império Russo e a ascensão de teorias raciais foram despertando a perceção de que só um Estado próprio poderia garantir segurança e continuidade cultural.

Intelectuais como Theodor Herzl, autor de O Estado Judeu, tornaram-se figuras centrais deste processo, defendendo que o povo judeu precisava de um lar nacional. Poucos anos depois, começaram as primeiras ondas de imigração para a Palestina otomana, marcando o início da concretização prática do sionismo.

Um movimento com muitas correntes

Uma das ideias mais equivocadas é pensar o sionismo como algo homogéneo. Na verdade, sempre foi um movimento plural, com debates intensos e até desacordos profundos.

Entre as suas principais correntes encontram-se:

  • Sionismo liberal

Representado por Herzl e por autores que viam no Estado judeu uma forma moderna, progressista e democrática de garantir segurança ao povo judeu. Outros pensadores, como Ahad Ha’am, defendiam um foco mais cultural do que político.

  • Sionismo socialista

Inspirado por autores como Dov Ber Borochov, defendia que um Estado judeu só faria sentido se fosse também um projeto de igualdade social. Os kibutzim e grande parte da infraestrutura inicial de Israel nasceram dessa corrente.

  • Sionismo religioso

Interpretava o regresso à Terra de Israel como parte de um processo espiritual. Rabinos como Avraham Itzhak Kook viam o sionismo como etapa da redenção, embora houvesse (e ainda haja) forte oposição a esta visão dentro do judaísmo ortodoxo.

  • Correntes defensoras de um Estado binacional

Figuras como Martin Buber e grupos como o Brit Shalom propuseram, nos anos 1920 e 1930, a criação de um Estado conjunto para judeus e árabes, um modelo pensado para garantir coexistência numa região partilhada.

A diversidade interna mostra que o sionismo nunca foi uma ideologia monolítica. É mais adequado falar de “sionismos”, no plural.

Fundação de Israel e desafios históricos

A criação do Estado de Israel, em 1948, foi o culminar de décadas de migração, organização política e negociação internacional. A ONU aprovou o plano de partilha em 1947, propondo dois Estados, um judeu e um árabe. O movimento sionista aceitou; a liderança árabe rejeitou.

Os conflitos que se seguiram moldaram profundamente o Médio Oriente. A guerra provocou deslocamentos significativos da população palestina (Nakba), um trauma histórico que até hoje está no centro das reivindicações palestinas. Reconhecer este sofrimento é essencial para qualquer discussão honesta sobre o tema.

O sionismo, tal como qualquer outro movimento nacional, teve impactos positivos e negativos. O desafio contemporâneo é justamente conciliar a autodeterminação judaica com os direitos nacionais palestinianos, algo que muitos pensadores e ativistas judeus defendem como caminho para uma paz duradoura.

Sionismo não é colonialismo europeu

Uma crítica recorrente associa o sionismo ao colonialismo europeu. Embora o sionismo envolva um processo de colonização da terra, termo usado por historiadores como Arnon Degani, há diferenças essenciais em relação ao colonialismo europeu clássico.

Entre elas:

  • não existiu uma “metrópole” a financiar ou dirigir o processo
  • a imigração resultou sobretudo de perseguições e expulsões
  • metade dos judeus que foram para Israel não era europeia, mas oriunda de países árabes e do Norte de África
  • o povo judeu é originário daquela região e não um grupo externo sem ligação prévia à terra

Ignorar estes aspetos leva a uma simplificação que remove a complexidade do conflito e obscurece o caráter histórico do povo judeu.

Antissionismo e antissemitismo: onde se encontram e onde se separam

Criticar governos israelitas é legítimo e necessário, como acontece com qualquer outro país. O problema surge quando o alvo deixa de ser as decisões políticas e passa a ser a própria existência do Estado de Israel ou o direito dos judeus à autodeterminação.

Negar esse direito apenas aos judeus constitui uma forma de antissemitismo. Também é problemático exigir de judeus da diáspora que “respondam” por Israel, como se a sua cidadania fosse secundária ou suspeita, uma ideia com raízes profundas em perseguições antigas.

O debate público atual mistura frequentemente crítica legítima, ignorância histórica e, por vezes, hostilidade antijudaica disfarçada de discurso político.

O sionismo hoje: plural, debatido e em transformação

O sionismo do século XXI não é o mesmo de Herzl nem o mesmo dos pioneiros do Estado de Israel.

Hoje, engloba visões que defendem:

  • um Estado judeu democrático e inclusivo
  • igualdade de direitos para minorias árabes dentro de Israel
  • a criação de um Estado palestiniano através de negociação
  • rejeição ao extremismo político e religioso

Falar de sionismo é falar de identidade, de história, de memória, de trauma e de esperança. É um tema denso, mas não precisa de ser complicado. Ao entendermos o conceito na sua verdadeira profundidade, conseguimos dialogar com mais respeito, mais informação e menos slogans.

Livros essenciais para compreender melhor o tema

Abaixo deixo algumas obras credíveis, que podem enriquecer o estudo do tema:

  • Theodor Herzl – O Estado Judeu
  • Shlomo Avineri – La Idea Sionista
  • Walter Laqueur – História do Sionismo
  • Anita Shapira – Israel: Uma História
  • Benny Morris – Righteous Victims
  • Jean-Denis Bredin – O Caso Dreyfus
  • Ahad Ha’am – The Jewish State and the Jewish Problem
  • Moshe Bergman – O Estado de Israel à Luz da Lei Judaica
  • Arnon Degani – Zionism’s Flipside (sobre colonização)
  • Jean-Paul Sartre – A Questão Judaica

Fica o convite para aprofundar este tema com olhar atento e mente aberta, pois compreender o sionismo é também compreender parte importante da história contemporânea e dos debates que ainda hoje nos desafiam.

Selo israelense emitido em 1960 em comemoração ao centenário de nascimento de Theodor Herzl

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