A primeira greve da História foi há mais de 3 mil anos

A primeira greve registada na história não aconteceu na Revolução Industrial, nem na modernidade, mas sim há mais de três mil anos, no coração do Egito Antigo. Por volta de 1152 a.C., durante o reinado de Ramsés III, um grupo de trabalhadores especializados decidiu fazer aquilo que hoje chamaríamos de um protesto laboral organizado. E fizeram-no de forma surpreendentemente moderna.

Um Egito em Crise

O reinado de Ramsés III tinha sido marcado por guerras dispendiosas , nomeadamente contra os chamados Povos do Mar. Apesar das vitórias, os cofres do Estado ficaram profundamente debilitados. A crise económica agravou a corrupção, as pilhagens e as falhas na distribuição de bens essenciais.

Ao contrário da imagem popular, as grandes obras do Egito não eram construídas por escravos, mas por trabalhadores assalariados que recebiam salários pagos em géneros: trigo, cevada, peixe, legumes, mel, sal, vinho, óleo e lenha. Era este conjunto de bens que garantia a sobrevivência das famílias.

Contudo, quando o Estado começou a atrasar estes pagamentos, o impacto nas comunidades foi devastador.

Deir el-Medina: O Berço da Primeira Greve

Os protagonistas deste episódio viviam em Deir el-Medina, uma aldeia onde residiam os artesãos responsáveis pela construção das tumbas reais no Vale dos Reis. Eram pedreiros, carpinteiros, artesãos altamente especializados e escribas, homens instruídos, conscientes do seu valor e da centralidade do seu trabalho para o Estado.

Em novembro de 1152 a.C., esses trabalhadores ficaram 18 dias sem receber o salário. Sem trigo, sem peixe, sem roupa, sem qualquer meio de subsistência, decidiram agir.

O Protesto Inédito

Em 14 de novembro, cerca de 60 operários interromperam os seus trabalhos no túmulo de Ramsés III e deslocaram-se, em conjunto, para o local da obra como forma de protesto. A ação foi ousada e simbólica: recusaram continuar a construir a morada eterna do faraó até receberem aquilo que lhes era devido.

O acontecimento ficou registado no famoso “Papiro da Água”, preservado hoje no Museu Egípcio de Turim. Nele encontramos um dos primeiros testemunhos escritos de reivindicação laboral da humanidade:

“Estamos com fome. Já passaram 18 dias deste mês.
Viemos empurrados pela fome e pela sede;
não temos vestidos, nem peixe, nem legumes.
Escreve isto ao Faraó e ao Vizir, nosso chefe,
pois queremos o nosso sustento.”

A causa do atraso? Ao que tudo indica, um carregamento de alimentos e bens destinados aos trabalhadores tinha sido roubado por saqueadores.

A Vitória dos Trabalhadores

Após dezoito dias de greve, o pagamento atrasado foi finalmente entregue e os artesãos voltaram ao trabalho. Ainda assim, as ameaças de punição não impediram que, nos anos seguintes, novos atrasos dessem origem a outras paralisações.

A greve tornara-se, pela primeira vez na história, uma ferramenta coletiva de pressão laboral.

O Legado de Deir el-Medina

O protesto dos trabalhadores de Deir el-Medina é um testemunho poderoso da consciência social no Antigo Egito. Pela primeira vez, um grupo de operários exigiu, e conquistou, o reconhecimento dos seus direitos básicos.

Este episódio recorda-nos que a luta por condições dignas de trabalho é tão antiga quanto as próprias civilizações, e que a voz dos trabalhadores, quando unida, tem força para mover até os pilares de um império.

No Espaço de Maria continuo a partilhar histórias surpreendentes, curiosidades do passado e reflexões que nos ajudam a compreender melhor o presente.

Se gostaste deste artigo, convido-te a explorar outros textos do blog, há sempre mais um capítulo fascinante da história à tua espera.

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