Litoralização e Desertificação: Consequências Demográficas em Portugal

Este relatório tem origem num trabalho académico que desenvolvi no âmbito da unidade curricular de Geografia Humana de Portugal, inserida na minha licenciatura em História na Universidade Aberta. Foi concluído e submetido a 27 de maio de 2025, tendo como tema central as dinâmicas populacionais no território português — mais concretamente, os padrões de perdas e ganhos regionais.

Foi uma reflexão que me marcou profundamente, tanto pelo interesse que o tema despertou, como pela forma como consegui articular os dados e as ideias. Por isso, decidi partilhar aqui o texto na íntegra, tal como o apresentei na avaliação. Espero que este contributo possa ser útil, curioso ou até inspirador para quem, como eu, se interessa pelas transformações sociais e territoriais do nosso país.

Evolução das densidades populacionais no território nacional na perspetiva das perdas e ganhos regionais (2011-2021)

Sumário

Entre 2011 e 2021, Portugal registou uma perda global de população. No entanto, a análise regional revela uma realidade assimétrica: áreas urbanas e litorais continuaram a ganhar habitantes, enquanto o interior e as zonas rurais intensificaram o seu declínio. Com base em dados dos Censos 2021 e literatura geográfica, este relatório examina as tendências de densidade populacional e mobilidade territorial, destacando fenómenos como litoralização, desertificação e reconfiguração urbana.

Introdução

A evolução demográfica em Portugal tem sido marcada por fortes contrastes regionais. A concentração de população em torno dos grandes centros urbanos e litorais tem vindo a acentuar desigualdades territoriais profundas. Esta tendência levanta desafios para a coesão territorial e sustentabilidade demográfica, especialmente em regiões de baixa densidade. As dinâmicas populacionais observadas nas últimas décadas não só persistem, como tendem a agravar-se à luz dos dados mais recentes. O presente relatório tem como objetivo analisar os principais padrões de perdas e ganhos populacionais regionais na última década, com base em dados oficiais e fontes estatísticas como o Instituto Nacional de Estatística (INE, 2023).

Materiais e Métodos

A análise baseou-se nos dados do XVI Recenseamento geral da População (Censos 2021), disponibilizados pelo INE, cruzados com informação temática da unidade curricular (Medeiros, 2005). A unidade territorial de análise centrou-se nas regiões NUTS III, observando variações demográficas entre 2011 e 2021 (note-se que NUTS III é usada nos Censos e nos relatórios estatísticos do INE para observar variações regionais).

Resultados

De acordo com os Censos de 2021, apenas quatro sub-regiões registaram crescimento populacional da última década: Algarve (+3,62%), área Metropolitana de Lisboa (+1,71%), Cávado (+1,57%) e oeste (+0,27%). No extremo oposto, sub-regiões, como o Douro, Alto Tâmega, beiras e Serra da Estrela e o Alto Alentejo perderam mais de 10% da população residente. Globalmente, apenas 50 dos 308 municípios do país registaram um aumento da população entre 2011 e 2021, com especial destaque para Odemira, (+13,32%), Mafra (+12,82%) e Palmela (+9,58%).

As freguesias predominantemente urbanas ganharam população (+0.23%), em contraste com perdas acentuadas em freguesias rurais (-11,26%). Este padrão confirma a continuidade da litoralização, com forte concentração demográfica no eixo Porto-Lisboa, e um processo de desertificação no interior centro e sul do país. A densidade populacional média nacional em 2021 era de 112,15 hab/km, mas nas áreas urbanas ultrapassava os 450 hab/km2, ao passo que nas zonas rurais não chegava a 25hab/hm2.

Estes dados são ilustrados pela Figura 1 (variação por freguesia) e pelo Quadro 1, que demonstra a diferença demográfica entre áreas urbanas e rurais. Confirma-se assim que as dinâmicas territoriais da última década reforçaram os contrastes populacionais, com as regiões interiores a apresentarem, de forma quase contínua, saldos negativos tanto naturais como migratórios.

Figura 1

Taxa de variação da população residente por freguesia e município (2011–2021)

Fonte: INE, Censos 2021. Adaptado de Figura 8, p. 15

Quadro 1

Tipologia de áreas urbanas e variação populacional (2011–2021)

Fonte: Recenseamentos da População e da Habitação. Dados da página 6

Discussão

A litoralização da população portuguesa reflete não apenas uma preferência por regiões com melhor acesso a emprego, serviços e infraestruturas, mas também as consequências de décadas de políticas públicas que favoreceram as áreas metropolitanas em detrimento do interior. A Área metropolitana de Lisboa destaca-se não apenas pelo crescimento interno, mas também pela capacidade de atração de população proveniente de outras regiões, incluindo imigrantes internacionais (INE, 2023).

As perdas populacionais no interior e em territórios rurais levantam questões relevantes para a política de ordenamento. A redução da densidade compromete a viabilidade de serviços públicos, acelera o envelhecimento demográfico e dificulta a renovação geracional. Por outro lado, a pressão demográfica nas periferias urbanas agrava fenómenos como a suburbanização e os problemas habitacionais.

Mobilidades pendulares cada vez mais amplas e tempos médios de deslocação mais longos confirmam o papel crescente das periferias metropolitanas como áreas de residência, reforçando os centros como polos de emprego (INE, 2023).

Figura 2

Densidade populacional por freguesia, 2021

Fonte: INE, Censos 2021. Adaptado de Figura 5, p. 11

Figura 3

Proporção de população que mudou de residência, Portugal e NUTS III, 2011 e 2017

Fonte: INE, Recenseamentos da População e da Habitação. Adaptado de Figura 15, p. 21

Conclusão

Portugal enfrenta desafios significativos no equilíbrio demográfico do seu território. Enquanto algumas regiões atraem população e se modernizam, outras continuam a esvaziar-se e a envelhecer. A leitura regional das perdas e ganhos populacionais reforça a necessidade de estratégias diferenciadas de desenvolvimento territorial, que valorizem o interior e respondam às pressões das áreas urbanas.

A aposta no reforço dos serviços, na digitalização e na mobilidade sustentável poderá mitigar estas desigualdades. No entanto, a inversão das atuais tendências exigirá medidas estruturais e integradas que articulem políticas demográficas, económicas e territoriais. 

Referências Bibliográficas

Instituto Nacional de Estatística. (2023). O que nos dizem os Censos sobre dinâmicas territoriais. https://www.ine.pt/xurl/pub/66320870

Medeiros, C. A. (Ed.). (2005–2006). Geografia de Portugal (Vol. 2). Círculo de Leitores.”

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