Dinâmicas Migratórias em Portugal: de País de Emigrantes a País de Imigrantes

Este texto foi originalmente elaborado no âmbito da unidade curricular Geografia Humana de Portugal, da minha licenciatura em História na Universidade Aberta. Trata-se de um trabalho, submetido a 24 de março de 2025, com o tema “Dinâmicas migratórias e a transição de um país de emigrantes para um país de imigrantes”.

Foi um trabalho muito especial para mim, quer pelo tema, quer pelo resultado. Por isso, partilho agora o texto completo, tal como foi entregue, esperando que possa ser útil ou inspirador para quem se interessa por estes assuntos.

“Durante muito tempo, Portugal foi conhecido como um país de emigração. Milhões de portugueses saíram em busca de uma vida melhor, primeiro para o Brasil, depois para as antigas colónias em África e, mais tarde, para vários países da Europa. No entanto, nas últimas décadas, essa realidade começou a mudar: Portugal passou também a receber pessoas de outros países. Este trabalho pretende olhar para essa mudança, identificando os momentos mais importantes, os fatores que a explicam e as diferentes fases do percurso migratório português desde a segunda metade do século XX.
A emigração portuguesa intensificou-se no século XIX, mas foi no século XX que se consolidou como um fenómeno de massa. A primeira grande vaga transatlântica teve como destino principal o Brasil, onde os portugueses buscavam prosperidade. Na segunda metade do século XX, assistimos à chamada “fase intra-europeia”, com a emigração a dirigir-se sobretudo para França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo.
Entre 1960 e 1974, estima-se que tenham emigrado mais de 1,5 milhões de portugueses, num movimento que atingiu proporções de autêntica sangria demográfica. As causas eram sobretudo económicas: baixos salários, desemprego e um sector agrícola em crise. O regime político também teve impacto, nomeadamente através da repressão e da Guerra Colonial, que motivou muitos jovens a fugir do serviço militar obrigatório.
No entanto, a década de 1970 marca um momento de viragem. O processo de descolonização trouxe de volta a Portugal cerca de 500 mil pessoas, os chamados “retornados”, o que, durante alguns anos, camuflou a tendência demográfica real.
Ainda assim, a emigração persistiu, muito embora com menor intensidade e com novas formas, nomeadamente a emigração temporária para países da União Europeia.
A entrada de Portugal em 1986 ao que hoje é a União Europeia, e o consequente crescimento económico, o país começou a atrair imigrantes, sobretudo de países africanos lusófonos (PALOP), e posteriormente do Brasil e da Europa de Leste. Durante os anos 90 e início dos anos 2000, Portugal conheceu um boom migratório inédito, passando de cerca de 100 mil imigrantes em 1990 para mais de 400 mil em 2002.
Este crescimento esteve associado a grandes investimentos públicos e privados (como a Expo 98, Euro 2004, construção de infraestruturas), à carência de mão-de-obra em sectores como a construção civil e os serviços, e à implementação de leis de regularização de estrangeiros (como as de 1992, 1996 e 2001).

Figura 1
Evolução da população estrangeira residente em Portugal (1960–2011)

Fonte. INE (Censos e Estatísticas Demográficas) & SEF

Com este contexto favorável, verificou-se também a diversificação da origem dos migrantes: além dos PALOP, aumentaram os fluxos do Brasil e da Europa de Leste (nomeadamente ucranianos, romenos e moldavos). A imigração brasileira conheceu duas fases: uma primeira de trabalhadores qualificados e uma segunda de migrantes com menores qualificações, em busca de melhores condições de vida.

No entanto, importa sublinhar que, mesmo com a entrada de novos imigrantes, Portugal continuava a ser um país com uma forte presença emigratória. Há milhões de portugueses e luso-descendentes a viver no estrangeiro​. As remessas enviadas por estas comunidades continuam a ser significativas para a economia nacional. A crise económica que se iniciou em 2008 veio introduzir novas dinâmicas. Por um lado, assistiu-se à desaceleração da imigração e ao aumento do retorno voluntário, sobretudo de brasileiros e cidadãos da Europa de Leste. Por outro, a emigração portuguesa voltou a intensificar-se, agora marcada por jovens qualificados, num fenómeno apelidado de “fuga de cérebros”. Entre os destinos mais procurados nesta nova vaga estão o Reino Unido, Alemanha, Suíça, Luxemburgo e, curiosamente, Angola e Moçambique.

Figura 2

Diversificação dos fluxos migratórios em Portugal

Fonte. INE (Censos e Estatísticas Demográficas) & SEF

Do ponto de vista qualitativo, a imigração alterou a paisagem social portuguesa. Verificou-se uma feminização crescente dos fluxos migratórios, a inserção dos migrantes em sectores menos qualificados (como a construção civil e os serviços pessoais), e uma polarização nas qualificações, com migrantes muito qualificados e outros com baixa escolaridade a coabitarem nos mesmos contextos urbanos​.

Importa também salientar que as políticas migratórias em Portugal evoluíram. Passaram de uma postura mais reativa para uma abordagem integrada, com medidas de legalização, integração e acesso à nacionalidade portuguesa. A lei da nacionalidade e os mecanismos de regularização (ex: processo de 2001) foram fundamentais para consolidar a imigração legal e permitir o acesso de milhares de estrangeiros a direitos sociais e civis.

Quadro 1

Períodos Históricos Recentes de Migração de Portugal, 1950 – presente

Fonte. Adaptado de Padilla & Matias (s.d.), Migratory and nationality politics in Portugal

Do ponto de vista pessoal, considero esta transição um reflexo da maturidade de Portugal enquanto país europeu. A capacidade de receber, integrar e valorizar migrantes demonstra abertura e reconhecimento da diversidade. No entanto, é fundamental garantir que esta integração não se faz apenas no papel, mas que é acompanhada por políticas públicas eficazes e sensíveis à realidade de cada grupo.

A transição de Portugal de país de emigrantes para país de imigrantes foi um processo gradual, moldado por fatores históricos, políticos e económicos. Embora a emigração continue a fazer parte da identidade portuguesa, a imigração tornou-se um elemento estrutural da nossa sociedade. Este duplo movimento, de saída e de entrada, deve ser compreendido na sua complexidade e gerido com políticas que assegurem a dignidade e os direitos de todos os que escolhem Portugal como ponto de partida ou de chegada.

Compreender estas dinâmicas migratórias é crucial para analisar o presente e perspetivar o futuro de Portugal num contexto global cada vez mais interconectado.”

Referências Bibliográficas

Benešová, Š. (2014). Movimentos migratórios em Portugal (Dissertação de licenciatura, Masarykova Univerzita, Faculdade de Filosofia, Departamento de Línguas e Literaturas Românicas). Brno, República Checa.

Medeiros, C. A. (Ed.). (2005–2006). Geografia de Portugal (Vol. 2). Círculo de Leitores.

Padilla, B., & Ortiz, A. (2012). Fluxos migratórios em Portugal: do boom migratório à desaceleração no contexto de crise: Balanços e desafios. REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 20, 159–184.”

Deixe um comentário